domingo, 6 de fevereiro de 2011

15 - GENE EGOÍSTA X GENE ALTRUÍSTA? QUAL DELES É NOSSA HERANÇA?

JANUS - DEUS ROMANO

Janus ficou conhecido como o “deus das portas”, representado por uma figura com duas faces, que olhavam em direções opostas, uma para frente, outra para trás, vislumbrando passado e futuro. http://www.papodebolsa.com/?p=32745

Esta imagem de Janus, ficou muito conhecida pelo filme atualmente lançado, chamado "O Turista" com Johnny Depp e Angelina Jolie. Neste filme, os personagens desempenham papéis que na verdade, nunca são o que parecem. Isso em verdade, é a natureza do nosso "ego". Usamos máscaras que, convenientemente, utilizamos em várias situações. Elas são nossas estratégias de sobrevivência.

Esta série de posts, seguem uma sequência de estudo, onde buscamos o desvelamento ou seja, "a engenharia reversa do ego". Engenharia reversa é a técnica utilizada para desmembrarmos um aparato e ao decompô-lo em várias partes menores, entendermos como ele funciona.

Ao entendermos o funcionamento de qualquer coisa, podemos em tese, dominar a sua utilização. Os vários mestres espirituais nos deram ensinamentos de como podemos compreender os mecanismos automáticos do nosso ego e como superá-los pela meditação e principalmente pela observação e a ação compassiva, que segundo o budismo se chama "Bodhicitta" ou mente iluminada pela compaixão.

Abaixo segue um texto de Krishnamurt sobre a natureza do eu ( ego ):


O MOVIMENTO DO EGO


O que é esse “eu”? É possível, de alguma maneira, libertar-se da atividade centrada no "eu"? Há um "eu" real separado da imagem criada pelo próprio "eu"? .
KRISHNAMURTI: O que entendemos por "eu"? Se você perguntar a alguém o que é o "eu", ele diria "São todos os meus sentidos, meus sentimentos, minha imaginação, minhas exigências românticas, todas as minhas posses, um marido, uma esposa, minhas qualidades, minhas lutas, conquistas, ambições, minhas aspirações, minha infelicidade, minhas alegrias" – TUDO ISSO seria o "eu".
Você pode acrescentar mais palavras, mas a essência dele é o centro, o "eu", meus IMPULSOS (deslocamento de um conjunto de sensações para um outro conjunto de sensações projetado delas próprias como realizações): - "Sinto-me impelido a ir a Índia para encontrar a verdade" - e assim por diante. A partir desse centro, ocorre toda ação; todas as nossas aspirações, nossas ambições, desavenças, nossas desacordos, nossas opiniões, julgamentos, experiências, estão centrados nisso. Esse centro não é apenas o "eu" consciente agindo exteriormente (nos movimentos corporais voluntários e involuntários; das reações comportamentais comuns do cotidiano que fere a imagem que temos de nós de importância, valor, diretos, deveres etc.), mas também a profunda consciência interior que não é aberta e evidente; ele é TODOS os diferentes níveis de consciência.
Agora, o consulente pergunta: É possível libertar-se desse centro?
Por que nós (que somos o movimento desse centro) queremos libertar dele? Seria por¬que o centro é causa de divisão (maléficos, dores, sofrimentos, mágoas, ressentimentos)?
Isto é, o "eu" é o elemento ativo que está agindo o tempo todo; é o mesmo "eu" (um único movimento de relações interligado milenarmente perpetualizado em reações de causas e efeitos, fracionado em seu conteúdo mental único de aparência particularizada em cada ser humano) com diferentes nomes, com uma pele de cor diferente, com uma tarefa diferente, com uma posição diferente na hierarquia da estrutura social - você é o Senhor Fulano de Tal, outra pessoa é um criado - é o mesmo "eu" dividindo-se social, econômica e religiosamente - em todas essas diferentes categorias.
Onde há essa divisão deve haver conflito - o hindu que se opõe ao muçulmano, ao judeu, ao árabe, ao americano, ao inglês, ao francês. Isso é óbvio, fisicamente, e tem causado guerras terríveis, grande aflição, brutalidade e violência. O "eu" IDENTIFICA-SE (se expande buscando continuidade na busca de satisfação e prazer na segurança ideológica de ser algo que imagina) com um ideal - nobre ou ignóbil - e luta por esse ideal.
Contudo, trata-se ainda do "caminho do ego"!
As pessoas vão a Índia em busca de espiritualidade; vestem diferentes fantasias, mas mudaram somente de aparência, de roupas; elas são, essencialmente, o "eu" agindo, lutando TODO O TEMPO, esforçando-se, agarrando, negando, e estão profundamente apegadas as suas experiências, idéias, opiniões e desejos. E, a medida que se vive, observa-se que esse centro, esse "eu", é a essência de todos os problemas. Observa-se, também, que ele é a essência de todo prazer, medo e tristeza.
Pergunta-se, portanto: "Como escapar desse centro para ser REALMENTE livre - de forma absoluta e não relativa?" É bastante simples ser relativamente livre; pode-se ser um tanto desprendido, um tanto preocupado com o bem-estar social, com as dificuldades dos outros, mas o centro (gerenciador de ação) está sempre lá, brutal, mordendo duramente.
É possível LIVRAR-SE TOTALMENTE desse centro?
Antes de mais nada, vejam que, quanto maior o esforço feito para libertar-se desse centro, mais a própria luta o fortalece, - FORTALECE (esse movimento auto-identificado expansionista para ser, ou ter alguma coisa) O "EU". Para aqueles que se desgastam em meditações de várias espécies, tentando impor (projeções) algo a si mesmos, o "eu", que SE IDENTIFICA com esse esforço, é capturado por ele e diz: "Eu consegui", mas esse "eu" AINDA é o centro. Para libertar-se, é preciso que NÃO haja esforço (volição), o que não significa fazer o que se quer, pois isso (qualquer coisa que se faça) é AINDA o movimen¬to do "eu".
Portanto, o que é que se tem de fazer?
Se você NÃO deve se esforçar porque acredita (sabe de fato) que, quanto maior o esforço feito, maior será a resistência do centro, então (nada faça, apenas observe o movimento de forma descontinua sem nada acumular do observado), o que se deve fazer? O consulente pergunta: Há um verdadeiro "eu", separa¬do do "eu" criado pelo pensamento através de suas imagens?
Muitas pessoas perguntam isso!
Os hindus dizem que há um princípio mais alto, que é o "eu".
Nós imaginamos também que existe um "eu" (imortal, eterno) verdadeiro, separado do "eu" (movimento de coisas mortas). Vocês todos, estou certo, “sentem” (projeção prazerosa que gostaríamos de fosse real, verdadeira) que há algo além desse (movimento para vir a ser ou a ter alguma coisa) "eu", algo que tem sido chamado (imortalizado e permanente) de o "eu mais elevado", o "sublime ou o supremo eu".
No momento em que usamos a palavra "Eu", ou usamos qualquer palavra para descrever aquilo que (imaginamos) está além do "eu", o "eu" (imortal e permanente que imaginamos, projetamos), trata-se ainda do "eu" (simples movimento de coisas mortas – memórias, conhecimentos arquivados - para vir a ser ou ter algo).
É possível libertar-se do "eu"? - sem tornar-se um vegetal, sem tornar-se distraído, de certo modo louco?
Em outras palavras: é possível ser totalmente livre de apegos? - o que é um dos atributos, uma das qualidades do "eu".
As pessoas são apegadas a própria reputação, ao próprio nome, as próprias experiências. São apegadas ao que dizem. Se você quer realmente libertar-se do "eu", isso significa ausência de laços; o que não quer dizer que você se torne desinteressado, indiferen¬te, insensível, que se feche em si próprio, pois TUDO ISSO (ainda) é uma outra atividade do "eu". Antes, ele estava apegado; agora, ele diz: "Eu não me apegarei". Esse é ainda um movimento do "eu".
Quando você está REALMENTE desapegado, mas SEM esforço, de uma forma profunda, básica, então, desse profundo senso de desapego nasce à responsabilidade (seriedade). Não responsabilidade por sua esposa, por seus filhos, mas o profundo senso de responsabilidade (em todas as relações da vida – natureza, coisas, pessoas, idéias etc. – através da observação descontínua, sem interferência do passado, nada arquivando como memória).
Você esta disposto a isso? Esta é a questão!
Podemos discutir eternamente, usar palavras diferentes, mas quando chega a hora de por isso em prática (sentir a responsabilidade), de agir, parece que NÃO QUEREMOS fazê-lo; PREFERIMOS CONTINUAR como somos, (temos medo, receio de abandonar o conhecido morto que permanentemente trazemos para o presente vivo) com o “status quo” ligeiramente modificado, mas levando adiante (dando continuidade ao movimento) nossos conflitos.
Libertar-se da própria experiência, do próprio conhecimento, da própria percepção acumulada - é possível se você se empenhar (seriedade sem esforço, de forma descontinua no cotidiano comum de nossas vidas) energicamente. E não toma tempo (não é um exercício bobo que temos que nos observar descontinuamente – é a vida comum normal de cada dia de qualquer pessoa em toda e qualquer atividade – são “flashs”, “insight” em micronéssimos de fração de segundos em nosso relacionamento, onde a consciência livre do conteúdo morto observa a relação - percebe-se em movimento e não registra na memória). Essa é uma de nossas desculpas: precisamos ter tempo para sermos livres.
Quando você percebe que um dos maiores fatores do “eu” é o apego, e observa o que ele faz no mundo (guerras, misérias, corrupção, violência) e ao seu relacionamento com os outros – desavenças, separação, toda a fealdade de um relacionamento – se você PERCEBE A VERDADE sobre o apego, então você estará LIVRE dele (é a verdade que liberta). Sua própria percepção o libertará.
Você está disposto (a morrer para todas as gostosas e viciadas ilusões milenares) a isso?
Brockwood Park, Inglaterra, Ojaí, Califórnia e Saanen, Suíça agosto 1979 à setembro 1980 – págs.9/12 do livro “PERGUNTAS E RESPOSTAS” – Cultrix 1986 – tradução de Enid Abreu Dobranszky.